Por que as fundações são acompanhadas pelo Ministério Público?
A fundação é um instituto jurídico formado por um conjunto de bens, destinados pelo instituidor, aquela pessoa física ou empresa que doa bens para o nascimento dessa entidade – em benefício do público e do social. O interesse não pode ser egoístico e deve sempre ser voltado ao que se denomina de Terceiro Setor, ou seja, aquele segmento da sociedade civil organizada que se dedica à ajuda dos menos abastados e carentes de valores de cidadania.
O acompanhamento das fundações pelo Ministério Público, em especial pela Promotoria de Justiça de Fundações, também conhecida por Curadoria de Fundações, abrange aspectos de ordem administrativa e judicial. O acompanhamento nasce no momento em que o instituidor deseja discutir o esboço estatutário da Fundação, o qual ensejará o nascimento da entidade e perdurará até o momento em que eventualmente ela for extinta. Trata-se, como se diz de um casamento sem possibilidade de separação ou divórcio.
O fundamento jurídico do acompanhamento da Fundação pelo Ministério Público (o chamado velamento) está na Constituição Federal e no Código Civil, respectivamente nos artigos 127 e 66 .
Velamento, na forma como disciplinado no artigo 66 e nos seguintes do Código Civil , importa em vigiar, cuidar, zelar tomando interesse, assistir para que nada lhe falte, para que não morra e para que cumpra o seu destino. Esse é o sentido do termo adotado pelo legislador.
A guarda ativa das fundações é entregue ao Ministério Público, de modo que possa acompanhar e fiscalizar as administrações para que não se desviem do reto caminho e para que, no atendimento das finalidades pretendidas pelo instituidor, consigam a maior amplitude possível.
O ordenamento jurídico, por sua vez, confere ao Promotor de Justiça os instrumentos necessários para que, administrativa ou judicialmente, busque as correções necessárias, sob o amparo da lei e das normas estatutárias.
O velamento no âmbito administrativo ocorre, por exemplo, no momento em que o Curador de Fundações discute com o instituidor as cláusulas do estatuto social, o objeto da fundação, o projeto social a ser colocado em prática e o patrimônio que é destinado para subsidiar as atividades. Além disso, o Promotor participa do momento da lavratura da escritura pública de constituição da entidade, do acompanhamento das assembleias ordinárias e extraordinárias, cujas atas são submetidas à aprovação para registro em Cartório, na aprovação dos contratos mais relevantes, no acompanhamento das contas e no exercício das atividades sociais, inclusive com visitas e inspeções.
Na ordem judicial, o Promotor de Justiça exerce o velamento por intermédio da propositura de ações em face das fundações, de seus dirigentes, buscando correção e responsabilização, bem como propondo ações contra terceiros em benefício das fundações e especialmente do patrimônio. Por fim, tendo acesso a todos os processos judiciais, dos quais uma Fundação é parte, como autora ou como ré, com o objetivo de verificar se ali há interesse público e social para a intervenção do Ministério Público e acompanhamento dos processos.
Pode-se verificar, assim, que a ação do Estado, por intermédio do Curador de Fundações, é mais de amparo, de auxílio, de acompanhamento e de vigilância, do que de fiscalização em sentido estrito. O legislador objetiva com o velamento fortalecer as ações das fundações e garantir a elas as condições de estabilidade, de transparência e de fomento de suas atividades, pois tudo que elas fazem vem ao encontro e em proveito dos interesses da sociedade civil.
Há, portanto, interesse público e social no acompanhamento, e o legislador foi e é sensível a isso. Em consonância com a tradição dos demais países, desde o Código Civil de 1916 , o Poder Público brasileiro trouxe para si o encargo de exercer o velamento das fundações. Atribuiu, então, ao Ministério Público essa missão. O objetivo é garantir à sociedade e ao instituidor que a Fundação se dedique exclusivamente às suas finalidades sociais, sem desvios. Isso implica dizer que esse patrimônio estará a serviço do social, no fomento de atividades assistenciais, filantrópicas, de assistência à saúde, de fomento e garantia dos direitos da cidadania, da saúde, do desenvolvimento tecnológico, do ensino, da pesquisa e da extensão, dentre inúmeras outras finalidades sociais.
E como as fundações pertencem à sociedade civil como uma coletividade, maior razão para o acompanhamento permanente do Ministério Público, uma vez que, por missão constitucional, é o defensor da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
*Ariton Grazzioli é promotor de Justiça e Curador de Fundações de São Paulo – membro do Ministério Público do Estado de São Paulo.